"20 de junho, 1510. É registado o nascimento de Gracia Mendes ou Gracia Nassi
Gracia Mendes nasceu no seio de uma família judaica que, após o Édito de Granada de 31 de março de 1492, promulgado pelos Reis Católicos, Isabel I de Castela e Fernando II de Aragão, havia sido expulsa de Aragão de onde era originária; fazia parte das seiscentas famílias de judeus abastados que tiveram permissão para se estabelecer em Portugal. Mas aqui acabariam por ser sujeitos à mesma provação, com ordem de expulsão até outubro de 1497, a menos que se convertessem ao catolicismo - a família de seu pai Álvaro, Nasi, adotou o nome "de Luna", e de sua mãe Filipa, Benveniste, adotou o nome "Mendes". Entre os conversos cripto-judeus era chamada pelo nome Gracia, mas ao ser batizada, teve o nome cristão, que oficial e publicamente usava, de Beatriz de Luna.
Beatriz de Luna, em pública cerimónia católica celebrada na Sé de Lisboa, aos dezoito anos, casou com o seu tio Francisco Mendes, cristão novo e rico comerciante de pimenta; mas em paralelo tiveram cerimonial de casamento judaico. Francisco Mendes, com o seu irmão Diogo, dirigiam uma companhia de comércio mundial e uma poderosa rede bancária, com agentes por toda a Europa e Mediterraneo - ao mesmo tempo que comerciava pimenta, negociava com a prata necessária ao seu pagamento nos mercados asiáticos. Francisco Mendes morreu em janeiro de 1538; no seu testamento dividiu a fortuna entre o irmão Diogo e a esposa Beatriz - e este facto foi o início do percurso que a tornou a mais famosa e sucedida mulher de negócios do seu século.
Beatriz Mendes, viúva, mudou de Lisboa para Antuérpia, para junto do seu cunhado Diogo, aí instalado desde 1512 como agente de negócios da família, com a sua filha Ana (com nome judeu, Reyna) e sua irmã mais nova, Brianda. A mudança foi motivada pela alteração do cenário em Portugal, com o estabelecimento da Inquisição, autorizado por bula papal de 23 de maio de 1536. Uma vez em Antuérpia, tratou de investir a sua fortuna no negócio do cunhado, e - promovendo o casamento deste com sua irmã Brianda - reforçar as ligações entre as famílias "Mendes" e "de Luna". Com a prata acumulada garantiu empréstimos a grandes e poderosos, cimentando os Países Baixos e Antuérpia como pólos bancários; em simultâneo, geria as suas redes de comércio como cuidava das rotas de fuga dos sefarditas que a ela recorriam para escapar das garras da Inquisição.
Beatriz Mendes, dissimulando a sua condição de judia, ia protegendo judeus e conversos usando a sua influência e fortuna; esta foi ampliada com a morte de Diogo, em 1543. Também ele a nomeou em testamento, tutora da filha e responsável pela administração de seu patrimônio; com 33 anos, Beatriz controlava uma das maiores fortunas da Europa renascentista. Alvo de interessa e cobiça, muitos soberanos da Europa queriam a presença dela nos seus domínios, urdindo teias para casar a sua herdeira ou planeando o confisco dos seus bens. Sentindo-se ameaçada pela ambição de Carlos V, o soberano do Sacro Império Romano-Germânico com tutela sobre a católica Antuérpia, decidiu deixar a cidade com a família, em 1544, e partir para Veneza.
Beatriz Mendes, conquanto mantivesse as aparências, trazia inestimável valor comercial e financeiro a Veneza. Mas quando, em 1548, a República Sereníssima cedeu às pressões papais e instalou a Inquisição na cidade, Beatriz iniciou planos para sua ida para Istambul, a antiga Constantinopla. Foi quando sua irmã Brianda, determinada a ter acesso à herança do marido e oposta à decisão de partida para o Império Otomano, denunciou ao Senado veneziano as práticas judaizantes de Beatriz. Ela, de súbito fugiu para Ferrara, e aqui encetou atividade mecenática, muita dela dedicada a preservar a memória do seu povo - a exemplo da impressão, em 1552, da "Bíblia Hebraica" de Ferrara, ou em 1553, da "Consolação às Atribulações de Israel", de Samuel Uísque, que a dedicou "àquela que, por sua benevolência, se tornara credora da gratidão de todos os judeus portugueses".
Beatriz Mendes, face à expansão da Inquisição por toda a Europa, decidiu deixar para sempre a cristandade. Após breve estada em Veneza, conseguiu seguir caminho para o Império Otomano graças à intervenção pessoal do sultão Suleimão, o Magnífico, que já lhe havia confirmado quão benquista seria a presença dela nos seus domínios. Seguiu viagem com sua filha Ana (Reyna), deixando o resto da família e amigos. A entrada dela em Istambul, no início do ano de 1553, foi majestosa: "...quarenta cavalos e quatro carruagens cheias de criados e damas espanholas". Teve então possibilidade de assumir abertamente o judaísmo e usar o seu nome judaico, Gracia; adotou o sobrenome de seu pai Nasi, que significava chefe - conforme ao papel de líder no universo sefardita do império Otomano.
Gracia Nassi saiu no momento certo, quando a Contra-Reforma se tornou definitivamente hostil. Passou a dirigir os seus negócios, a organizar a resistência dos judeus e apoio ao conversos e a promover a cultura judaica, a partir do bairro europeu de Istambul, Galata, onde se estabeleceu. Desafiou os monarcas europeus e impôs embargos comerciais aos portos papais. Foi a primeira mulher judia a estabelecer uma impressa própria que utilizou para divulgar o seu credo. Sonhou em criar uma pátria para o seu povo na Galiléia, onde passou algum tempo no final da vida e que o sultão havia integrado por conquista no império Otomano. Foi rica e poderosa, mulher e judia, alguém que nunca se vergou aos outros em prol das suas convicções. Gracia Nasi morreu em Istanbul; tinha cinquenta e oito anos.
(...) A sua memoria rapidamente desapareceu e esteve esquecida durante meio século. Com a crescente relevância do universo feminino, os recentes estudos sobre esta personagem, deram a descobrir uma grandiosa e fascinante mulher; tornou-se uma figura de culto. Hoje é por todos lembrada como lhe chamavam na Europa do seu tempo - "A Senhora"."
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